Existe uma nova realidade na educação nacional, negar isso é não entender a evolução e a dinâmica dos fatos sociais e dos acontecimentos político/educacionais. Mudanças de concepções e de paradigmas, por exemplo, envolvendo a questão da educação pública e privada, ensino técnico e a implantação de critérios seletivos, entre eles, o IDEB, ENEM, ENADE, OAB e – agora – também, ao que tudo indica, o exame de proficiência para os contadores e médicos, estão no epicentro das mudanças e transformações.
Em alguns municípios mais avançados, onde a sociedade é crítica e de vanguarda, esse debate sobre a qualidade do ensino é altamente fomentada, especialmente após as divulgações das notas do IDEB e do ENEM, ENADE. OAB ...
Esses critérios seletivos foram implantados dentro de uma visão que visa assegurar e resguardar bons rendimentos do processo educacional, modificar o que precisa ser mudado, e manter a qualidade, onde assim verificados.
Mais dias, menos dias, esse debate sobre a formação nas licenciaturas se refletirá fortemente nas notas do ENEM, ENADE e do IDEB e a qualidade do ensino das licenciaturas ministradas em Santiago, a exemplo do que está ocorrendo com a OAB, deverá ocupar o centro das atenções das autoridades, políticos, imprensa e sociedade civil. Bons professores, formam bons alunos e quem forma os professores?
Da palmatória, ao IDEB, muita coisa mudou. A pedagogia evoluiu e as técnicas pedagógicas cada vez mais se aperfeiçoam.
Santiago, nossa cidade, está perdida nesse debate e estamos sendo engolidos por uma realidade cruel. Se de um lado, é incipiente e quase inexistente à crítica ao baixo rendimento local nas notas do IDEB, por outro, essa falta de debate, ausência de reflexões, ausência de teses e de textos críticos, são indicativos explícitos das nossas limitações teóricas e acadêmicas, afinal, sequer sabemos fazer o debate.
Pior que não fazer o debate, é a postura retrógrada de abafar o debate, pois grassa uma escola chauvinista que vive de auto-elogios, segurando o florescimento de qualquer reflexão mais profunda. A essência do chauvinismo local insiste em mascarar a realidade, criar um conjunto de fatos ilusórios e estabelecer uma relação “saber x sociedade” totalmente mascarada, para não ser mais duro, pois o que se coloca é uma grande ilusão. Frear o debate é uma atitude anti-científica, embora entidades reacionárias e conservadoras tentem, de todas as formas, manter sua hegemonia reafirmando velhos dogmas e insistindo em teses que já se demonstraram engolidas pela emergência de uma nova realidade educacional, social, política e econômica (atenção, não quero aqui discutir categorias de níveis estruturais e superestruturais, ou infraestruturais, por isso mesmo não precisa ser tudo necessariamente nessa ordem, embora sempre deixe claro que reconheço a determinação da economia).
Vivemos à realidade da sociedade do saber e do conhecimento e nossa cidade, Santiago, não viu isso, parou no tempo e ficou refém do atraso chauvinista.
O debate sobre o exame de ordem tem ocupado a pauta das nossas preocupações , embora a intenção manifestamente explícita de alguns setores (ávidos apenas em assegurar empregos), sempre dispostos a sufocar o debate e esconder a realidade dos números e das estatísticas da própria OAB.
Esse texto não está condicionado à vontade de patrocinadores, quem não fechar com nossa linha de pensamento, que caia fora de uma vez e feche com as forças retrógradas até que todos afundem juntos. Nossa preocupação tem outro escopo. A vida segue, sai um e vem outro. O dinamismo social não nos permite tal condição de reféns, muito menos à emergência de uma nova realidade que nossa cidade insiste em não ver.
Mas, afinal, que mudanças são essas e como tudo isso se processou?
Começemos pelo exame de ordem e o envolvimento da comunidade jurídica. Depois vamos para outros indicadores.
O exame de ordem, por exemplo, para as turmas de 2005, era apenas 50 questões e o aluno que acertasse 20, isso mesmo, apenas vinte delas, já estava aprovado. Que barbada! Ademais, era um exame regionalizado e que levava em conta as particularidades de cada região, embora o direito seja um só, em tese. Hoje, mudou tudo e raciocinar em cima de estatísticas do passado é incentivar o conservadorismo retrógrado.
O exame é nacional e é necessário o acerto de 50% das questões para se obter a aprovação mínima. Ponto final !!! Cada lista da OAB-FGV com contendo o nome dos aprovados, um susto, um debate sufocado, novos mascaramentos e novos fingimentos.
O problema do IBED não é tão explícito porque as escolas acabam assumindo o ônus do despreparo docente e não existe uma cobrança mais acentuada. Boa parte da sociedade local, que têm filhos em idade escolar, sequer sabe o que é IDEB e acredita em qualquer mentira ou malversação que justifique uma má escola, apesar de termos índices piores que no norte e no nordeste (é só conferir no site do INEP).
O primeiro grande elemento que deve e precisa ser jogado nesse debate, é acerca da cruel realidade que nos é imposta.
Não se trata de discutir competência ou não, eficiência ou não, capacidade ou não, dedicação ou não, dos nossos professores. Se trata – sim – de discutirmos que esses novos mecanismos de análise de proficiência acabaram gerando uma realidade totalmente incongruente. Embora ninguém fale, e até é deselegante encetar esse tipo de debate (ele é necessário) mas a realidade do quadro docente da UFRGS é totalmente diferente do quadro docente da URI de Santiago ou de qualquer outra universidade pequena e média do interior do Estado. A última estatística atualizada que temos no site da OAB nacional, por exemplo, é sobre o exame de ordem deixou latente esse entendimento óbvio, mas necessário de ser jogado ao debate.
O quadro docente da UFRGS é formado por Doutores, PHDs, Desembargadores com Doutorado no exterior, Procuradores que formam a nata jurídica do Estado, obras publicadas, anos de pesquisa e experiência ... em suma, pessoas com esses currículos que a gente, aqui, só vê na semana acadêmica.
Uma universidade comunitária no interior do Estado, e peguemos o caso de Santiago como exemplo, não tem como manter uma plêiade docente no mesmo nível de uma UFRGS, ou UFSM, alimentada por altos recursos públicos, recursos abundantes para pesquisa, incentivo à qualificação e que consegue pagar elevados; e mais: ainda com a possibilidade física de aproveitar os melhores recursos humanos de dentro do próprio poder judiciário (isso explica a presença de tantos desembargadores que também são professores na UFRGS).
É complexo fazer esse tipo de discussão, mas ninguém é tolo em imaginar que os alunos formados por um quadro docente, todo ele com doutorado, nata do TJ ou das funções essenciais, tenham reais condições de ter a mesma formação que alunos formados em pequenas universidades do interior, sem injeção de recursos públicos, com mensalidades pagas, com titulação docente inferior, sem recursos para pesquisas, longe fisicamente dos centros das decisões e sem recursos para qualificação profissional.
O que acontece, e isso é cruel, é que o exame de ordem da OAB, coloca num mesmo patamar, mesmíssimo, aliás, alunos da URI, da UFRGS, da UFSM, da ULBRA ... E esses alunos recebem a mesma formação?
É claro que não; e o primeiro passo para começarmos a refletir sobre a mudança de mentalidade é admitirmos a vantagem que os alunos da UFRGS ou da UFSM levam sobre nós, da URI.
Eles são melhores que nós? Claro que não se trata disso. Eles têm melhores condições de formação que nós. Quem quiser se enganar, que se engane.
Se houver honestidade intelectual e acadêmica para admitirmos nossa desvantagem e também termos o diagnóstico do que está acontecendo com o ensino superior no Brasil, pós FFHH, Lula e pós Lula, o balizamento poderá ser melhor identificado. Esse papo que é necessário o aluno se esforçar também vale para o professor e não vai, nunca, o aluno da URI ter chances reais, dentro dessas regras atuais, ter como competir com o aluno de uma URFGS, formado por Doutores e PHDs, figurões que nossos alunos só conhecem pelo Jornal ou pela televisão (ou pelo xérox dos livros que ele compra em capítulos). Quem tiver dúvidas disso, que olhe as estatísticas da AJURIS sobre a origem universitária dos juízes gaúchos.
É claro que o quadro não vai mudar. Hoje,, curiosamente, Temer representaria a esperança das faculdades particulares com a concepção tucana de quebrar com as universidades públicas. A presença de Dilma é indicativo de que os recursos públicos vão seguir fomentando as universidades federais, que mais recursos serão carreados para o ensino e pesquisa, que o investimento em qualificação vai continuar e que as particulares vão continuar se ferrando. E os alunos das particulares vão arder cada vez que sair a lista da OAB com os resultados do exame de ordem, notas no ENEM e assim sucessivamente.
Admitir e saber entender a realidade que nos cerca e as que as condições econômicas que determinam essa mesma realidade, é o primeiro passo para uma reflexão que realmente seja séria. Parar com as farsas, ufanismos e a aquisição de “TOPs”, para simular qualidade de ensino escudados em prêmios comprados, é o segundo passo sério. O terceiro passo é iniciar uma guerra de guerrilha acadêmica.
É preciso entender que as circunstâncias econômicas, as mesmas da terceira tese sobre Feuerbach, são os fatores limitantes da realidade local. Não se trata aqui de discutir inteligências, esse quadro todo, como está colocado, tem a ver com condições materiais de acesso às informações de uma ciência.
Os limites materiais de acesso a educação superior são os mesmos que se refletem em todas as áreas, por exemplo, no futebol, pois se não fosse assim, Santiago teria um time de disputando pari passu com o Grêmio e o Internacional no campeonato gaúcho. E temos?
Por outro lado, sejamos francos, tem uma elite local que não quer a emergência de uma discussão frontal, com um diagnóstico honesto da realidade, pois ela parasita desse quadro de precariedade e seus lucros são robustecidos com base no engodo acadêmico e no estelionato intelectual, expresso no comércio de diplomas, na aparência e na ausência de conteúdo.
Entretanto, assim como no caso que se apresenta de um exame de ordem imposto aos acadêmicos de Santiago e que lhes exige uma competição desigual com os acadêmicos da UFRGS e da UFSM, existem inúmeros exemplos, na própria história, de povos que tiveram que travar batalhas em condições altamente desiguais. É claro que o domínio científico e tecnológico se reflete na qualificação bélica de um enfrentamento entre povos, e que só a força física e a robustez não determinam a razão do enfrentamento por si só. É nessas ocasiões que deve entrar em pauta a inteligência.
Estamos competindo em condições desiguais e não existem perspectivas de mudanças no quadro educacional do ensino jurídico superior (e nem das licenciaturas que formam professores que formam mal seus alunos e o IDEB também é um fiasco), então é necessário mudar.
Como?
No caso do Direito é mais simples do que imaginam. É só rasgar os velhos currículos obsoletos e traçar um novo diagnóstico curricular. Vamos para uma área do direito, para exemplificar: Direito Constitucional.
Antes eu quero abrir um parêntesis.
Durante anos, em conversas reservadas com o Professor Clovis Brum, sempre insisti com ele que a faculdade de Direito tinha que ter qualidade e apresentar resultados. Durante muito tempo, em nossas conversas, tentei mostrar que a simples fabriqueta de diplomas acabaria estourando, mais dias, menos dias; e ele é testemunha que defendia uma dinamização do curso, agilidade, pique, cabeça de cursinho, concentração no que interessa realmente e uso de outros recursos dinamizadores que deveriam ser buscados na interdisciplinaridade, quase que se jogando de cabeça em Bárbara Freitag e seus pressupostos. Um dia, ele me jogou um balde de água fria e me disse que ninguém no Direito queria uma proposta ousada como a que eu defendia e que os professores entendiam que a função deles não era preparar para o exame de ordem e para concursos e – sim – formar bacharéis. Fiquei estarrecido e só conto isso para algumas pessoas entenderem o quanto lutei quieto para não chegássemos a esse abismo onde estamos enfiados hoje, pois no ranking que a OAB a URI aparece entre as de baixíssimo rendimento.
A questão – final – que se coloca é apenas em termos práticos. Nossos professores da URI/Santiago são tão inteligentes quanto os da UFRGS. Começa, que boa parte deles sabe reconhecer que a diferença existe e ela é determinada pelas circunstâncias materiais amplas. Estabelecida essa premissa, parte-se do diagnóstico para a solução.
A URI precisa parar de mandar dinheiro para Erechim e montar uma boa biblioteca, o atual acervo jurídico é uma piada. Precisa pensar que todas as faculdades do Brasil estão de olho no exame de ordem e que o exame é o cartão de qualquer faculdade, hoje. Os professores precisam se doar mais, por exemplo, estudando tudo sobre as áreas de maior concentração. Não tem quem não saiba que em todos os concursos de magistratura, funções essenciais, OAB, ... seja na área do Direito que for, existem os tópicos que mais são cobrados e existem aqueles que praticamente não são alvo de nenhuma cobrança. Exemplificando: o assunto que mais cai no exame de ordem, em direito constitucional, é o controle de constitucionalidade, e as ADIs, ADCs, ADPFs ... estão no epicentro de tudo. Depois, o segundo assunto que mais cai, são as repartições das competências constitucionais. O terceiro assunto que mais cai, são os remédios constitucionais, direito de petição, habeas, MS, MI, AP, ACP...Então eu me pergunto: se esse diagnóstico de concentração por assunto, dentro de qualquer disciplina, é amplamente conhecido, por que é que a URI não se volta para o que realmente interessa?
É só entrar no site do LFG que lá estão todas essas dicas em todas as disciplinas, isso que eu estou afirmando que não é nenhuma novidade.
Formalidades curriculares é puro fingimento para o MEC. O que importa mesmo é o domínio dos assuntos que mais caem em concursos e no exame de ordem. Eu seria capaz de fazer uma aposta com a minha escrita, que é o que eu tenho de maior valor, que se a URI de Santiago rasgasse toda essa velha baboseira jurídica e incorporasse esse dinamismo de se concentrar no que realmente conta, no que realmente importa, no que realmente cai, os índices de aprovação seriam mudados radicalmente de um exame para outro.
E será que ninguém desconfiou, dentro da URI, que 99% dos aprovados nos últimos exames de ordem só o foram por que foram alunos do LFG, Renato Saraiva e companhia?
Chega de ditar matérias copiadas de livros, chega de passar esquemas prontos, chega de repetir as mesmas provas anos após anos, chega de repetir os mesmos textos, os mesmos esquemas viciados, isso tudo faliu. E imaginem como será quando estiverem em vigor os novos provimentos dos exames da OAB, quando novas disciplinas, tais como sociologia, ciência política e filosofia serão incluídas no processo seletivo? E é claro que isso vai ser ampliado, inclusive já está se manifestando em concursos para a magistratura em vários Estados.
Acredito em Santiago, acredito na mudança e quero fomentar o debate. É a possibilidade possível, a perspectiva viável, nesse quadro, nesse momento, com os recursos que dispomos e operando com a nossa realidade.
O quadro local de formação docente é um caos completo, passou pela fiasqueira da URI, que praticamente quebrou com as licenciaturas, deixando um vasto contingente refém da modalidade EAD. Os alunos refletem a formação dos professores.
Ou mudamos tudo, ou afundamos de vez.
A tese está lançada. É apenas uma contribuição.
O que as pessoas precisam entender é que existe uma cúpula dominante da polis que se beneficia dessa situação caótica, pois vivem de comercializar sonhos de uma realidade que não existe. Nefelibatismo ideológico puro. Essência da segregação socioeconômica. A elite tosca continuará sendo elite tosca, embora casas lindas, carros luxuosos, roupagem de grifes, unhas pintadas e cabelos alisados à chapinha; somos sertanejões, nada além disso. Quem acha que o nordeste não é aqui, que analise os indicadores atuais de educação fundamental e básica, o exame da OAB como prova de avaliação do ensino superior local e nossa cultura de almanaque se manifesta como a encarnação do mito do lobo mau e chapeuzinho vermelho.
A crítica é sempre do lobo mau. A alienação, a pureza e o atraso estão estampados na ingenuidade enganadora da chapeuzinho vermelho.
O lobo é e será sempre mau, até sua morte. Ele precisa ser destruído, assassinado, eis que inquieta e perturba a acomodação dos acomodados.
Já chapeuzinho vermelha é o retrato de nossa sociedade. Pura, ingênua, indefesa, vivendo como se não tivesse seu ponto G.
Eis nossa síndrome.
A crítica é sempre do lobo mau. A alienação, a pureza e o atraso estão estampados na ingenuidade enganadora da chapeuzinho vermelho.
O lobo é e será sempre mau, até sua morte. Ele precisa ser destruído, assassinado, eis que inquieta e perturba a acomodação dos acomodados.
Já chapeuzinho vermelha é o retrato de nossa sociedade. Pura, ingênua, indefesa, vivendo como se não tivesse seu ponto G.
Eis nossa síndrome.