Deus me deu um estranho dom. Talvez seja um bom dom, ou talvez seja um péssimo dom. Até hoje não sei, talvez nunca venha a saber.
Eu tenho uma sensibilidade, uma sensitividade muito grande dentro de mim. Eu conheço a falsidade, sei quem é falso e sei que é sincero. Sei quem mente e sei quem fala a verdade. Minha alma lê a almas das pessoas. É muito estranho isso. É horrível. Não gostaria de ter isso.
O psique humano é muito complexo. Não existe verdade em tudo, nem mentira em tudo. Existe verdade na mentira e mentira na verdade. Existe muita falsidade, muita mentira, muito engodo, muita malversação. Por outro lado, eu sei bem quando estou tratando com a pureza de alguém, sei ler a verdade e a pureza.
Sei ler a perversidade, a maldade, a safadeza. Muitas vezes, me fiz e me faço de desentendido, até para buscar um pouco de paz, eis que sou escravo desses sentimentos.
O impasse nisso tudo, é a complexidade que se deriva dos sentimentos. Eu tenho um amigo, não vou citar nomes, que é uma pessoa que me passa a verdade mais pura de uma alma. Nunca vi jogos nele, sempre foi franco, limpo e honesto comigo. Ele sabe de que estou falando dele.
Contudo, esse bom que Deus me deu, também me faz escravo.
Outro dia, assistia uma reportagem da TV Record, de um casal do Rio de Janeiro. Ele, oficial da marinha. Ela, namoradinha dele desde os 15 anos. Agora, ambos com mais de 30 anos, ele passava 15 dias em casa e 15 dias no mar. Quando ele ía para o mar, ela caia nos bailes funkes, arrumou um namorado, um traficante e decidiram matar o oficial. Mataram-no. Certamente, ele, um coração bom e decente, nunca desconfiou da esposa, nunca pediu para ninguém cuidá-la, e pagou com sua própria vida.
Certamente, este oficial nada desconfiava de sua esposa e nada de sensibilidade possuía. Certamente, é um anjo do Senhor. Que sua alma descanse em paz.
Agora, saber do alcance das coisas e entender sensitivamente como eu entendo, é uma desgraça total. Explico-me. Nas relações homem x mulher, a gente sabe, sente, pressente, nota, percebe, saca os lances, as jogadas, pega mentiras no ar, identifica a maldade, a crueldade, a bondade, a pureza.
Eu não nunca namorei um homem e nem conheço a intimidade da vida com um homem. Mas namorei algumas poucas mulheres, como todo o homem da minha idade. Poucas, mesmo.
Mas, sempre soube ler a alma de todas elas. Curiosamente, Deus presenteou-me com mulheres boas, e também mulheres ruins, perversas, maldosas, requintadamente maldosas.
Agora, o objeto dessa escrita, hoje, é falar de um tipo raro, quando a gente encontra num mesmo corpo, numa mesma alma, de um lado, rasgos de bondade e do bem e, de outro, rasgos de maldades e requintes de perversidade e crueldade. Essas são terríveis. De um lado, a gente as ama pelas virtudes, e, de outro, as odeia, pela maldade e a perversidade. É a maior ambiguidade que um ser humano pode enfrentar, seja para compreender a extensão de tudo, seja para administrar seus próprios sentimentos.
O requinte de maldade e perversidade espiritual não quer dizer, necessariamente, que a pessoa seja pueril. Não, essa pode até ser sincera, pura, verdadeira e - inobstante isso - ser possuidora dessa ambiguidade que o convívio externa à da luz do outro, de sua capacidade de ler, entender e compreender a alma alheia.
Isso se dá tanto nas relações inter-sexuais como também nas inter-pessoais. É claro, num convívio maior, mais íntimo, mais próximo, fica fácil compreender a extensão dos valores que emergem de uma alma.
Eu mesmo, lendo a mim mesmo, identifico-me em grandes contradições. Enormes. Tenho uma maldade muito grande, tenho sentimentos de vingança, eu guardo coisas durante anos, para um dia estourar e usar, sou extremamente bandido, e tenho um lado, totalmente dócil, puro, bondoso, fraterno, limpo. É claro que me psicanalizei. Eu travo uma luta cruel com meus instintos, seja para somatizá-los, seja para domesticá-los, seja para a busca da vazão. Agora, entender, administrar e conviver com tudo isso, é algo muito complexo, sem uma bebida, sem um tranquilizante ...
Nos dias atuais, amar uma mulher é algo muito complicado para quem tem este discernimento. Eu não vejo pureza, fraternidade, solidariedade. Vejo jogos. Jogos de interesses. Sentimentos puros ... isso é coisa rara.
Outro dia, um amigo me falava na importância do papel da prostituta. Me dizia ela: "hoje tu escolhe a mulher que tu quiser, nova, loura, morena ... paga 100 pilas, da tua trepada, vai embora e não se incomoda mais".
Sei lá ...
Eu acho que a gente se junta para suprir a solidão e as carências. Amor, sinceramente, acho difícil nos dias atuais. Existe, mas é raro e muito pouco.
Mulher é mulher. Tem suas artimanhas, seus jogos, seus charmes e quase nunca são sinceras. Normalmente, transam com um pensando noutro. Mas também têm aquelas que amam. E a grande maioria, usa os homens para este ou aquele fim.
Na contabilidade de minha vida, esse ano que se encerra, vivi o caso mais atípico de minha vida. Era uma mulher casada. 27 anos. Amava o marido. Mas um dia disse-me que imaginou como seria sua vida ao meu lado. Como ela era muito querida e falante, porém, extremamente linda, e como a relação com a Karine só afundava, resolvi dar conversa e começamos um namorico virtual. Não tive relações sexuais com ela. Apenas ganhei um abraço. No dia fatal, ela não teve coragem. Porém, depois contou-me a verdade. Ela ficou anos fazendo ciúmes para o marido dela. Dizia: fulano tá dando em cima de mim. Beltrano tá me secando. E nada; o cara era 100% não ciumento. Deixava ela totalmente livre. Totalmente livre.
Nessa liberdade, eu carente e ela belíssima, fui avançando o sinal. Ela me convidou para ir na casa dela, então eu fui. Como sou escravo do meu hedonismo ...
Um dia ela me contou a verdade. "Tu nem sabe, o ... se implicou, criou um ciúme de ti, e agora tenho o marido que eu sempre quis..."
Eu fui solenemente usado. Mas valeu pela nobreza da causa. Pode ser que um dia ela ainda mude de idéia ... se bem que a cínica se juntou outra cínica que foi minha, têm em comum uma maldita formação ... imagino as mentiras que não rolaram. A minha, eu conheço bem, é a pessoa mais falsa que eu conheci na face da terra, a outra, nem tanto, nem dava bola para o que ela falava, só queria admirar aquele corpo, aquele pedaço de carne maravilhoso.
Eu não estava traindo a Karine. Estávamos separados e contava tudo para ela.
E esta mulher, a casada, sei lá como, ela me passava que tchan de sinceridade, de pureza, de verdade e de cinismo. Pena que ela tirou a foto dos meus cacau-shows do face. Mas o que fazer?
A vida é assim mesmo. As vezes, usamos, outras vezes, somos usados. Eu que me achava tão esperto, descobri que sempre fui usado.
O único de amor de verdade, foi um choque, porque os dois conheciam-se demais, pela psicanálise, pela contratransferência, um passava analisando o outro. Deu merda.
Mulheres.
Estou numa longa viagem ... literalmente.
A outra, é parte de um processo reflexivo. Tem folclore. Mas é tudo verdade. Foi bem assim mesmo.
Tenho tudo gravado no meu face. O face dela, o marido dela pegou tudo ... aí, amou-a loucamente, como ela sempre quis.
Não liguei muito. Liguei sim. Liguei para a Karine. Ela não atendeu. Aí fui comer polenta com peixe e vinho. Este prato é muito mais prato que o chocolate quente com bolo yancundano. Não me abalei.
A vida da cada volta ...