Quando viajo, procuro pensar na minha própria cidadania. Para fugir das reflexões mais sérias, apenas ouço Beethoven e tento responder aos múltiplos questionamentos da hidra . Dentre eles, ela quer saber: por que 40 anos para iniciar os estudos sobre Cabala? (Os maçons reacionários de direita local são apaixonados por Hitler e anti-judeus. Mas pegam aulas do Paulo Stekel sobre cabala judaica e se acham moderninhos. Santa ignorância).
Pondero, pondero, pondero! Mas ela sempre retruca e acha preconceituosa a sugestão. Não sem razão, entre mapas e escanerizações do relevo regional, ainda encontra tempo para dar uma lida sobre a Cabala judaica, aliás, um assunto que há anos apaixona-a. E o Oracy Dornelles presenteou-a com uma obra bem sugestiva sobre o assunto.
Alguma razão deve nortear a cabeça dos nossos rabinos. Penso que deva ser a maturidade e a razão aguçada com o passar dos anos. A maturidade, quando acompanhada da razão e uma boa dose de exercício dialético, é extremamente perigosa. Perigosa? Sim, perigosa!!! Comigo foi exatamente isso que aconteceu, tornei-me, com o passar dos anos, cético, descrente, desiludido e ainda conseguindo identificar um núcleo de razão e uma pontinha de verdade em muitos movimentos teórico/políticos.
Todos nós, por alguma razão, gostamos de acreditar em alguma coisa. Acreditamos numa religião, num time de futebol, num partido político, numa ideologia, numa dada concepção de amor, rosa cruz, maçonaria, assembléia de Deus, sarava, espiritismo ... ... E as crenças nos movem. Arquétipos de um jeito ou de outro fazem nossas cabeças. O agnóstico é um crente propenso ao cientificismo e o ateu é um crente que crê nas desconstruções de crenças, mas nem por isso deixa de ser um crente. No final, somos todos crentes.
E, ademais, somos produtos pautados por alguém midiaticamente, para ser bem contemporâneo.
Estou em crise. Crise de um lado, crise de outro, crise de outro, crise de outro. Adoro as crises. Depois delas vem a estrela cintilante. Não é uma crise existencial propriamente dita. É uma crise ética e de civilização. Afinal, me pergunto: o que vale a pena? Tudo, diria Fernando Pessoa, se a alma não for pequena, ressalvando. Há sim, mas a questão da alma antecede tudo. Materialismo ou Idealismo? Odeio falar em espírito, em Hegel, logo me veem com Alan Kardec, que saco, preciso explicar acerca da fenomenologia do espírito hegeliano e mesmo assim ficam pensando que Hegel é espírita; desisto.
Um dia, depois de muito quebrar a cabeça, me descobri nu, perplexo e com meus valores em crise.
No início, quando eu era guri, até meus 30 e poucos anos, pela minha formação, pelo que eu lia, pelas crenças, enfim, que professava, conclui que o problema eram os donos dos meios de produção, o latifundiário, o industrial, o fabricante...estava – ideologicamente – ao lado dos empregados, sempre. O que eu não questionava e nem nunca questionei, foi o ESTADO, a burocracia, as corporações que controlam o Estado, as relações que o Estado estabelece com as pessoas.
O Estado me era distante. Sempre pensei no Estado de forma romântica, como gestor do bem-comum, patrocinador de justiça social, agente de equilíbrio entre as pessoas. Talvez eu já conhecesse o Estado por dentro, mas sempre neguei a assumir uma crítica contra, pois essas mesmas críticas eram arremetidas pelos neoliberais, e esses eu aprendi a odiar.
Neoliberal é aquele sujeito que quer um Estado mínimo, que quer tudo para si, um egoísta...o Estado, nas minhas crenças, era o avesso do egoísmo, era a própria essência do coletivismo.
Os anos passaram. Eu não amadureci para estudar a Cabala, mas os estudos que tive e os instrumentais teóricos da própria sociologia, os quais adquiri nos meus vinte e poucos anos, foram me permitindo uma visão um pouco diferenciada do que eu imaginava que fosse o Estado.
Hoje, aliás, não é de hoje, hoje não tenho mais as mesmas crenças que já tive um dia. É claro que nesse universo imbecil de aparar as conversas e limitar tudo num rótulo, diria que rompi com a esquerda clássica. E a outra esquerda que é a não-clássica? Risos cínicos, é só o que sei fazer.
Nessa semana que passou, li e analisei atentamente estatísticas sobre pequenos e micro-empresários que quebram antes do primeiro ano de negócio. Um índice assustador. Os mágicos, chegam ao terceiro ano. Os motivos? As amarras legais, o fisco nas 3 esferas de entes federados, o INSS, a burocracia...
Enfim, o Estado é isso. Uma máquina, controlada por pessoas e famílias (os verdadeiros espertos) e mantido pelos bobos que trabalham para pagar tributos e que acreditam em discursos furados que lhe ensinaram que os cidadãos e pessoas decentes são aquelas que pagam seus tributos em dia.
É essa mentira que envolve a cidadania e enrola o bom-senso das pessoas limpas, que tem mantido os tentáculos intocáveis de uma máquina abominável.
As elites, formam seus filhos em Direito e operam só dentro das leis. E quem ousa falar e questionar, ainda é condenado. E os pobres, dê-lhe trabalhar para pagar tributos.
Nessa semana passada, eu fiquei tempo falando com a Tia dos Doces, aquela senhora que vende docinhos a 1 real ali na praça. Ela fica entre 10 e 12 horas por dia, sentada ali no calçadão, oferecendo docinhos para quem passa. Uns param, outros ignoram sua oferta. Mas ela me contava que estava com o recolhimento do seu INSS atrasado desde maio e que não tava conseguindo pagar mais um dia por causa das multas. Ela precisa vender dezenas de docinhos por mês só para o INSS. E nem vamos falar na luz, água, comida, roupa...E é para esse mesmo Estado que mantém cúpulas vivendo faustosamente que a doceira se priva de comer para pagar seu INSS.
Em todos os aspectos, o Estado é uma vergonha, uma imoralidade, uma excrescência.
Eu achava, nos meus delírios infantis, que o PT fosse reparar um pouco disso tudo. Mas não. Foi pior, pois se apropriaram ainda mais do Estado.
Adianta eu falar, escrever??? Não, não adianta. O Estado brasileiro é forte, tentacular, intocável. Só seria possível repensá-lo seriamente, quebrando-o e isso implica numa situação revolucionária. E não existe nenhum movimento revolucionário nesse sentido no Brasil. A burguesia liberal não é revolucionária, pelo contrário, é conservadora e legalista. Apenas chia para pagar menos tributos, mas não avança além disso. Qualquer semelhança com nossos empresários chutadores de baldes não é mera coincidência. Quem está forte mesmo são os que controlam o Estado, pois estenderam suas ramificações na sociedade civil, controlam e aparelham suas entidades representativas e corporativas; e vamos para mais um pleito nacional escolhendo entre candidatos mais a esquerda ou menos a esquerda, mas que – em comum – têm, a sanha estatal. Em outras palavras, não vai mudar nada. Nosso futuro é incerto. O PT está fraco, despenca a cada pesquisa, mal entendo o que está acontecendo. Marina é uma incógnita; um PSB de direita, Aécio, nem pensar. Que quadro, jamais imaginei isso ...
Prego num deserto. Sou mais um imbecil, alguém me compreende? Não sou liberal, sou de esquerda, mas sou antiestatal. O Estado é um monstro, não sou anarquista. Gosto do FFHH, mas não sou tucano, apenas entendi as teorias de
Guillermo O'Donnell, fecham com algumas de minhas conclusões. Vou estudar Cabala e assistir filmes anti-iluminatus no youtube. Eles me fazem rir, sem ser escárnio.