Minha filha não pôde vir ao cinema com seus coleguinhas devido ao temporal e as péssimas estradas de barro, em Maçambará.
Contudo, nunca tinha acontecido o que aconteceu dessa vez.
Tempos atrás, meses atrás, ela deixou-me uma caixinha e dentro uma boneca. Arrumou a boneca com vários paninhos, que seriam cobertores, lençóis, travesseiro e até uma mamadeira. Aquela boneca, segundo ela me disse, à época, era para eu não ficar sozinho e seria ela. Entendi a simbologia e guardei a bonequinha na caixinha de sapatos no birot ao lado de minha cama.
Ontem, ela me disse que tinha arrumado a mala da boneca. Novos lençóis, sabonete, toalha e orientou-me a dar dois banhos por dia na boneca. Foi uma conversa longa, longa, longa.
A seriedade das orientações impressiona. A simbologia da boneca e a compreensão que ela tem de como eu vivo é assustador. Nina tem 6 anos, às vezes, é incrivelmente madura, sabe bem o que é um juiz, promotor, vereador, prefeito e é totalmente a favor da presidenta Dilma. Uma noite, nós estávamos jantando com o Dr. Ruy Gessinger e ela perguntou se ele era contra ou a favor da Dilma? E complementou: “eu sou a favor dela, mas meu avô é contra”. Outras vezes, ela se derrete, é criança mesmo. É claro que ela saca bem as jogadas, a minha vida, a minha solidão. Por isso, transporta-se para meu lado na forma simbológica de uma boneca. E agora, quer preparar ainda mais a boneca. São tantos paninhos e tantos paninhos.
Ela não sabe o dom que tem de penetrar em minha alma. Hoje foi demais: eu sentia o sangramento, e agüentava firme: sangrava, sangrava, sangrava ... Fiquei inquieto, perturbei minha alma ... chorei muito depois da ligação. Não sei se ela sofre, imagino que não tenha a extensão da dramaticidade ... agora eu, meus leitores e amigos queridos, vivi o dia mais atípico de minha vida.
Ouvindo-a, naqueles longos minutos de recomendações sobre como tapar, como lavar e como cuidar a bonequinha que ela deixou numa caixinha de sapatos, para dormir ao meu lado, vivi momentos extremamente angustiantes e perturbadores.
De qualquer forma, é muito lindo esse amor que nos une espiritualmente e nos separa em vida.
Hoje ela me pediu para eu levar o Marquinhos no cinema com a Karine. Então, expliquei-lhe que o Marquinhos tinha aula e a Karine trabalho. Ela foi pragmática: faz ele matar a aula, se a Ka não pode, leva só ele. É que a sessão deles foi transferida para a semana que vem.
Eu oro por ela todas as noites. Deus tem seus mistérios (já dizia o Pastor Cláudio Cardoso). Eu sei e entendo o fardo que Deus está me dando. Só não entendo o dela, ela não merece isso, aos 4 anos começou um tormento e nunca mais parou. Falo tanto com Deus. Quero ver o efeito reverso disso tudo. Se é que vou ver.
Por enquanto, deixo minha alma sangrar, vai sangrando, singrando as subjetividades da vida...sangra, sangra ...até que um dia, quando não tiver mais o que sangrar, talvez Deus revele seu plano ... o simplesmente dê um desfecho em tudo.
Até lá.
Hoje, uma crônica um pouco diferente. Mas não muito.