Eu tenho muito pouco tempo para comprar as coisinhas da Nina junto com ela. Meu horário judicial começa sexta-feira as 17 horas e devo devolvê-la no domingo também as 17. Sempre chegamos em Santiago, nas sextas, já pela noite e ela quase sempre dorme na viagem. No domingo, é terrível, preciso almoçar cedo e antes das 15 horas pegar a estrada. Não que seja tão longe, são 100 km de ida e 100 de volta, mas um trajeto - numa infernal estrada de chão e pedras - 40 kms, cria imprevistos de toda a ordem, não só a mim, mas para todos que por ali transitam. Assim, me sobra apenas o sábado pela manhã para sair com ela e geralmente ela gosta de dormir mais um pouquinho.
Eu arrumei meu quarto todo decorado com as coisinhas dela, fotos nossas, artes e seus desenhos. Como a mãe dela abriu mão de todo o acervo com os trabalhos dela nos dois anos de URI e centenas de folhas desenhadas, quadros pincelados, artes diversas da Escola da URI, reuni tudo, guardei tudo, seus caderninhos, enfim todas as suas artes, e parte decorei nosso quarto. (No projeto de casa que o arquiteto Artur Vieiro criou para nós já existe uma previsão de um quarto com banheiro só para ela). Assim, fiz o mesmo com meu roupeiro, dividi-o ao meio; comprei tudo para ela, 4 japonas, blusas, vestidos, tênis, sapatos, sapatilhas, botinhas...agora nas férias de junho, comprei 4 vestidinhos lindões. Mas ela se encantou mesmo foi com esse aí, esse branquinho, lindo. Então a prometi que compraria esse noutra ocasião, já que não uso crediário e compro só a vista. Agora, para esse final de semana, preparei-lhe a surpresa, comprei o vestidinho que ela queria, aproveitei e comprei mais um, rosinha, lindíssimo também. Sei que ela vai adorar.
Só que no meio da história, marcaram uma festa na Escola onde ela estuda, pediram para ela ir nessa festa e eu tive que acabar concordando. É o tipo da coisa que a gente não tem escolha. E creio que todos os pais na mesma situação passam por isso. Se o pai exige o cumprimento do acordado judicialmente, ele passa por mau e quem exerce a guarda abusivamente - via de regra - nunca se chega a consenso. Vejamos: o juiz determinou que ela passaria o dia do meu aniversário comigo, agora, dia 12 de agosto. Mas não determinou horários. Aí começa a discussão, a viagem, quando pega, quando devolve, essas coisas. É terrível isso. O acordado em juízo praticamente perde o valor ante a pressão da família. O ideal seria que o outro lado respeitasse o acordo e não fomentasse na criança esse tipo de coisa, pois assim como eu não a posso vê-la num dia de semana e nem ligar-lhe fora do único horário que eu posso ligar-lhe (quarta-feira, as 20 horas) a regra e os acordos judiciais deveriam ser integralmente cumpridos. Se eu não depositar a pensão, o que acontece? Vou preso! Essa é a moral dos acordos.
E o pior é que tudo ainda precisa ser intermediado com ligações entre terceiros e/ou advogados. De minha parte, quem trata em meu nome é a Dra. Carla Albuquerque ou o nosso amigo Flávio Medeiros. Mas vira uma via-cruxis, tanto para o pai quanto para a criança. O exemplo mais absurdo foi a falta de consenso no dia do meu próprio aniversário, a despeito da decisão judicial me assegurar esse direito. O impasse começou assim: o dia doze de agosto, como qualquer outro dia do ano, começa a meia noite e termina a meia noite. Como pegar a Nina a meia noite lá no interior de Maçambará e se aventurar naquelas estradas madrugada adentro? O mesmo raciocínio vale para a volta. É claro que os leitores e amigos, amigas, nessas alturas ficam se perguntando: tá, mas e o bom senso?
No dia do meu aniversário, pegá-la pela manhã e voltar para Santiago e depois devolvê-la e retornar de novo a Santiago, implica numa viagem de 400 kms. É praticamente uma viagem de Santiago a Porto Alegre, sendo 80 km em estrada de chão. O bom senso seria - no mínimo - eu poder pegá-la na tardinha do dia anterior. Aí tudo seria viável, tranquilo, com menos risco. Só que - infelizmente - isso não ficou definido na audiência cível que determinou a guarda e as visitações e aí a situação que já era caótica vira absurda.
Outro dia, conversava sobre isso com a respeitável e talentosa Assistente Social do nosso poder judiciário local e ela me relatava que esse drama que eu enfrento é muito comum, por demais comum, quando os pais se separam e não chegam a acordos consensuais em defesa dos interesses da criança. Sempre um lado acha que tem razão, e sempre quem perde - emocionalmente - é a criança, que fica marcada para o resto de sua vida, tendo que absorver, desde tenra idade uma situação complexa, cujo aparato jurídico do Estado não leva em conta emoções, o que é melhor para a criança, aliás, contrariando o próprio ECA. ... Imaginem o caso da NINA, foi tirada do terceiro ano infantil da Escola da URI e matriculada no primeiro ano infantil de uma escola municipal, aliás, numa sala de uma escola técnica estadual cedida ao município de Maçambará. Contando, parece até piada. E ainda se dissessem que eu era um pai omisso, que eu deixava faltar as coisas, que eu não pagasse as contas, que eu andasse em botecos, que traísse minha esposa, mas até hoje nada de concreto foi apresentado que justificasse tal afastamento e tal imposição.
No caso desse final de semana, propus uma troca, que me compensa um dia a mais com ela na semana que vem. Pelo menos nisso, não serei tão prejudicado. Com a festa, surge a moral da história: vou ficar sozinho nesse final de semana ... ou pelo menos, longe do amor, do carinho e dos beijos e abraços de minha filhinha.
De qualquer forma, os vestidinhos estão prontos, para a surpresa, quando ela chegar na semana que vem.
Como Advogado, como pai, acatei até agora tudo o foi decidido em juízo, respeitosamente. Porém, dentro do mesmo espírito de atuar dentro da legalidade, do respeito às leis e às decisões que emanam do poder judiciário, já dei ingresso em juízo com uma ação para rever todo esse quadro. Eu converso muito com amigos que foram juízes e entendo que a questão é mesma muito complexa. Os juízes e juízas tendem a raciocinar sempre imaginando o melhor para a criança, e isso é elogiável. Contudo, muitas vezes, faltam elementos sociológicos, antropológicos e culturais a serem levados em conta. E ainda paira o peso do machismo e do preconceito, no caso do pai, embora um movimento nacional fortíssimo esteja partindo de São Paulo e Rio de Janeiro, existem Institutos já organizados em 22 Estados da Federação, advogados e psicólogos escrevendo livros e abrindo o debate, o que eu vejo como muito salutar.
Recentemente, a Revista Época, corajosamente, abriu um forte debate sobre esse complexo Tema e imediatamente teve repercussão no Encontro Nacional de Alienação Parental que acontecia em São Paulo. Sob o título:
O drama dos filhos na fogueira do divórcio. "É um entendimento arcaico partir do pressuposto de que a mãe é melhor". "Filho é 50% um e outro, ao anular a outra metade, o alienador está destruindo metade da origem de uma criança".
A Revista trás uma entrevista completa com a Advogada especializada em Direito de Família, Alexandra Ullmann que acompanha, há dez anos, histórias de divórcios que não caminham bem. Sem acordo, viram uma batalha e os filhos, armas a serem manipuladas. Carioca, mãe de uma moça de 21 anos, divorciada e amiga do ex-marido e sua atual companheira, Alexandra lançou, no dia 3 de março, no Rio de Janeiro, um livro infantil em que retrata, com belas ilustrações de Gregório Medeiros, as angústias contadas por crianças vítimas da disputa dos pais. Em Tudo em dobro ou pela metade (Cassará Editora), a voz infantil ganha força e recorre à imaginação para encenar, num teatrinho, a mensagem perfeita para uma família que se dividiu: no coração de uma criança cabe tudo em dobro. Crueldade é exigir que ela fique só com metade. Formada também em Psicologia, a advogada conversou sobre o tema do livro.
Clique no link abaixo e leia, vale muito a pena:
http://julioprates.blogspot.com.br/2015/06/alienacao-parental-revista-epoca-debate.html
Enquanto isso, espero pacientemente, oro para que Deus amenize esse drama na alma e no espírito de minha filhinha, uma história a qual eu nunca me perdoarei e carregarei esse peso pelo resto dos meus dias na face da Terra. Nunca previ esse sofrimento todo para ela, nunca imaginei passar pelo o que estou passando. É tudo tão rápido, como naquela fração de segundos que o carro em que eu viajava - de repente - deslizou-se sobre a brita solta no asfalto, numa curva, capotou e saímos por metros e metros de cabeça para baixo. Era uma tragédia anunciada, não fossem os anjos de Deus estarem ali jamais sairíamos intactos como saímos. Nesse mesmo final-de-semana houve 3 capotagens na região. A minha e outras duas. Nas outras duas, em ambos os casos, duas pessoas morreram em cada uma das capotagens. E só abrir a página do Jornal Expresso Ilustrado e ali está a síntese das tragédias, bem como o relato do nosso caso junto com o relato das mortes.
Em qualquer hipótese, o culpado seria eu.
Isso ocorre sempre quando os que dão verdadeiramente motivação aos fatos não assumem seus papéis de protagonistas de suas próprias ações e apostam sempre na transferência de culpas. Logo, condene-se o pai, já que para ele ver sua filha e exercer a paternidade lhe foi-lhe imposta essa via-cruxis martirizante ... tanto para o pai quanto para a criança. Isso é o pior de tudo, pois se apenas eu pudesse pagar o ônus disso tudo sozinho, pagaria, sem dúvidas.
Poderia ser cálido? Ou os deuses da minha vida ainda querem o meu sangue no altar do sacrifício humano para que essa situação acabe de uma vez por todas?