Aquela foto das duas moças presas, por terem furtado peças íntimas numa dessas lojas do nosso centro, reacendeu-me uma chama de reflexões acerca do Direito Positivado e fez-me lembrar daquele jovem, que, em pleno inverno, furtou uma japona e foi preso. Faz pouco tempo, mas as imagens são bem presentes em minha lembrança.
Já escrevi, num passado não muito distante, que numa semana acadêmica do Curso de Direito da URI, assisti uma palestra, proferida pela socióloga Doutora Sandra Vial, minha particular amiga,sobre um certo direito fraterno. Confesso que não entendi a essência da proposta, até porque se ignorou totalmente as vertentes epistemológicas do direito e sem estas, não consigo vislumbrar corte epistemológico.
Existem direitos que não são reconhecidos pelo Estado, mas nem por isso deixam de ser direitos. Até onde meu alcance permite, vislumbro duas grandes vertentes epistemológicas no campo da ciência jurídica: o jusnaturalismo e o positivismo.
Com clareza, identifico, ainda, a teoria dialética do direito, também uma vertente epistemológica, embora nem sempre clara, nem sempre visualizável, nem sempre assumida, porém, extremamente complexa.
Há instante tomei um banho. Ouço "Vida Real", Engenheiros do Hawai. Ligo a flourescente sobre meu computador, penso. Penso muito. Quando fico sozinho me bate a tristeza, fico meio deprimido. Refletir sobre o significado da vida, sobre nosso papel enquanto cidadão é muito dolorido.
Sou bastante camusiano e tudo me parece um tanto sem sentido. Mas vou levando, um papinho aqui, uma conversinha ali. Vou muito ao posto texaco, gosto muito do seu Zeca, o frentista. Ele é um homem muito sério, muito honrado. Adora política, lê muito e é trabalhista. Outro com quem eu converso muito é o Leonel, outra pessoa espetacular, homem fino, estudioso, bem posicionado politicamente, também é trabalhista. Ia acessar a internet quando, de repente, decido escrever. Decidi mudar o meu texto que já estava pronto.
O pop rock da de cujusé um barato, ouvindo música espanto a solidão. Capital inicial recomenda não olhar para trás. Ouço Pitty e Ana Carolina. Mas quero lembrar e refletir sobre a história do jovem que foi preso no calçadão. Ele entrou na loja, pegou uma japona e saiu correndo. Foi preso, amordaçado, certamente manchou seu currículo para o resto de seus dias com as consultas integradas do Estado.
A despeito do direito fraterno, uma invencionice que cheira esquisitice, as duas principais vertentes ideológicas no campo da ciência política – jusnaturalismo e positivismo – continuam sem conseguir dar conta de seus pressupostos epistemológicos ao nível do desenvolvimento das modernas teorias do conhecimento; seja o positivismo que reduz o direito à lei, não conseguindo resolver através de seu instrumental teórico problemas como o da legitimidade, o da pluralidade de ordenamentos e outros, acabando assim por reconhecer, implicitamente, como em Kelsen, por exemplo, o seu fundamento na dominação pura e crua do Estado. Por outro lado, o jusnaturalismo eleva a padrões metafísicos e abstratos o problema da "justiça", como se pudesse existir um padrão fixo e imutável dessa categoria, separando-a da realidade histórica e concreta, acaba assim referindo-se a fundamentos de ordem teológica, como se pudesse existir uma categoria de justiça divina e como se essa pudesse ser universal.
Em outras palavras, tanto o jusnaturalismo quanto o positivismo acabam por se referir, reciprocamente, em seus fundamentos últimos, a pressupostos metodológicos idênticos. Assim o é na teoria pura de direito de Kelsen, que acaba se reduzindo a um fundamento de cunho jusnaturalista – que é a própria norma fundamental – vide pirâmide kelseniana. Por outro lado, o jusnaturalismo (que em tese é o contraponto ao positivismo) em última hipótese, para poder ter sentido prático, acaba por ser teoria que dá sustentação ou justifica esta ou aquela ordem jurídica dominante.
No conflito dessas duas grandes vertentes epistêmicas, foi que teóricos brasileiros, dentre eles, o saudoso Roberto Lyra Filho, Agostinho Ramalho Marques Neto, Marilena Chauí, vislumbraram a grande brecha de construção de uma nova teoria jurídica, principalmente que rompesse com o maniqueísmo entre o jusnaturalismo e o positivismo.
Claro estava que era necessário romper com a idéia de que Direito só seria Direito se fosse legal, instado o raciocínio: acaso o processo de gênese (jurisginação) não é anterior à sua positivação e esta (a positivação) significando apenas o reconhecimento de direitos cuja gestão já ocorreu no processo histórico?
A vertente complexa a que me referi anteriormente é a dialética. Tanto Roberto Lyra Filho quanto Marilena Chauí, usaram a conceptualização marxista da expressão. Isso fica claro na leitura da obra de Lyra Filho: Karl meu amigo, diálogo com Marx sobre Direito.
O judeu-alemão ao construir os pressupostos de sua teoria política e, sobretudo econômica, foi buscar o conceito de Dialética em Hegel, eis que desprezando o idealismo que via nessa, apropriou-se somente daquela. Aí, acresceu o materialismo de Feuerbach, gestando, a partir de então, o materialismo dialético.
É claro que não vou fazer, nesse breve texto, uma divagação mais profunda acerca das bases dos pressupostos teóricos de Marx que, a rigor, incluem os filósofos iluministas franceses, Ricardo, e a economia clássica inglesa, além, é claro, de Hegel e Feuerbach, ... conquanto a intenção é apenas demonstrar que um instrumental essencialmente marxista – a dialética – foi pinçado das teorias clássicas e jogado no nosso mundo jurídico, fato nem sempre percebido e quase nunca visualizado nem mesmo por muitos que falam em direito alternativo ou uso alternativo do direito.
O escopo, a rigor, também é nem entrar nessa seara, conquanto pactuo da idéia de que o uso de um instrumental teórico como a dialética, aplicado a situações complexas entre o justo e o legal, pode florescer alternativas.
Certa vez, aqui mesmo em Santiago, entrevistando Desembargador do Tribunal de Justiça, Bráulio Marques, pude ouvir dele uma contundente manifestação contrária ao uso alternativo do direito. Ponderou que em épocas de anornalidade democrática, e citou nosso passado recente, até se aceitaria. Mas frisou que, hoje em dia, não. Curioso, é que homens como Bráulio Marques, agnóstico e marxista, tenham essa visão tão deformada de um escola que surge na esteira de um instrumental marxista.
Com razão, muitos magistrados têm levantado a ilegitimidade do congresso nacional, agora mais do que nunca os fatos corroboram os argumentos de homens como Amiltom Bueno de Carvalho, Aramis Nassif, Rui Portanova, entre outros. Que legitimidade tem um congresso nacional corrupto, podre, atolado na charneca da indecência? O atual congresso nacional não é produto de diversidade de classes, também não é reflexo da correlação de forças expressas na sociedade dividida em classes e estratificadas em camadas e estamentos. O atual congresso nacional é produto da imposição econômica e de seus grupos de interesses, da esquerda a direita.
Da dialética:
Engels, o parceiro predileto de Marx, no Anti-Durhing já afirmava que "a dialética é ciência das leis gerais do movimento e do desenvolvimento da sociedade humana e do pensamento".
O filósofo existencialista francês Jean Paul Sarte, comentando sobre a dialética afirmava: "é a atividade totalizadora, ela não tem outras leis que não as regras reproduzidas pela totalização em curso e estas se referem, evidentemente, às relações da unificação pelo unificado, ou seja, aos modos e presença eficaz do devir totalizante, nas partes totalizadas".
Oportuno e curioso é refletirmos sobre as considerações de Pedro Hispano, no século XIII, sobre a Dialética: "é a arte das artes, as ciências das ciências porque detêm o caminho para o caminho para chegar ao princípio de todos os métodos. Só a dialética pode discutir com probabilidade os princípios de todas as outras artes, por isso, no aprendizado das ciências, a Dialética deve vir antes".
Gerd Bornhein, nosso grande e saudoso filósofo gaúcho, comentando sobre a Dialética assim asseverou: "ela existe para fustigar o conservadorismo dos conservadores como sacudir o conservadorismo dos revolucionários. A dialética não se presta para criar cachorrinhos adestrados".
O argentino Carlos Astrada foi mais longe: "a dialética é semente de dragões".
Pois este precioso instrumental de análise, pinçado para o nosso mundo jurídico por Roberto Lyra Filho, um instrumental marxista, tem embasado os pressupostos da assim chamada Teoria Dialética do Direito. Ela tem se prestado para questionar a legalidade de certos direitos positivados, para questionar a legitimidade dos poderes e também para encetar uma profunda reflexão sobre certos direitos que não são positivados, mas que são legitimados pelo povo.
Existem direitos outros não legitimados, o direito a violência reativa é um deles. O que é que fez o jovem que, com frio, ousou furtar uma japona? Ele, assim como outros tantos que padecem de cruéis privações, têm sim o direito legítimo à reação e a reação deles deve ser entendida dentro dos limites do seu entendimento parco. Ademais, a roubalheira dos políticos, de esquerda e de direita, apenas corrobora a tese do direito à reação. Por que passar fome, viver na inanição, quando os mercados estão aí abarrotados de comida?
Por fim, o direito é apenas um elemento superestrutural que legitima a dominação de classes. Enquanto os ladrões voam em seus jatinhos portando malas abarrotadas de dólares, os pobre abarrotam os presídios por motivos capazes de causar rubor em quem tem um mínimo grau de civilidade e humanismo.
Tentemos, pois buscar o que de bom tem esse jovem que quebrou a normalidade. Ele tem potencial de reação e indignação. Por mais que o direito positivado o queira trancafiado, o direito à reação, o direito de não passar frio, o direito de se revoltar contra a dominação e a opressão, também deve estar presente nas reflexões.
Usemos, pois, a dialética para compreender o que nossos olhos nos traem e também para duvidar do certo e do justo criado por alguns. Existem outras certezas e outras justiças. E também Direitos, mesmo que não positivados. O jogo do bicho é a realidade mais explícita, as bocas de fumo, as clínicas clandestinas de aborto, que todos sabem onde fica e quanto custa um aborto, são direitos exercidos pelo povo, reconhecidos pela sociedade, porém, não positivados, apenas isso.
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Vou abrir um debate sobre a legitimidade do poder judiciário, tão necessário nos dias atuais, posto que o país, em última instâncias, está sendo dominado pela superestrutura jurídica, cuja legitimidade não passa de um curso de direito e um conjunto de formalidades editalícias e rituais obsoletos.